O contato que temos com os Jogos Olímpicos modernos podem nos dar uma perspectiva um tanto quanto errada sobre a origem e do porquê eram realizados na Grécia Antiga.
Os Jogos Olímpicos na Grécia Antiga foram mais do que eventos esportivos e, com o passar do tempo, foi se ressignificando. Já tiveram ligação com celebrações religiosas, políticas e de identidade cívica.
Realizados a partir de 776 a.C na cidade de Olímpia, os jogos originaram-se como ritos funerários dedicados ao herói Pelope e, depois, tornaram-se dedicados a Zeus, o deus que governava o Olimpo.
Neste artigo, vamos explorar a origem dos Jogos Olímpicos na Grécia Antiga, assim como, a sua relação com os cultos e a sua influência no tempo e na modernidade. Continue lendo compartilhe esse artigo!
Índice
Uma Homenagem a Pelope

A tradição mais antiga que remonta aos Jogos Olímpicos está ligada à figura heróica de Pelope. A mitologia nos conta que o herói passou a ser reverenciado depois de vencer o rei Enomaus em uma corrida de bigas para desposar Hipodâmica.
O mito narra que Enomaus desafiava cada pretendente da sua filha para uma corrida e se os vencesse, eles eram mortos. Peleope, aceita o desafio e vence a corrida, e além de receber a mão da princesa, também lhe é concedido o domínio da região que receberia o seu nome, o Peloponeso.
Após a morte do herói, a figura de Pelope foi divinizada e passou a ser cultuada no local de sua sepultura, em Olímpia. O lugar, conhecido como Pelopion, tornou-se o centro sagrado da região.
O culto a Pelope precedeu o santuário dedicado ao Zeus. O Pelopion foi o centro religioso mais antigo em Olímpio, o que indica que os jogos tinham um fim funerário e heróico.
As competições realizadas em homenagem a Pelope seguiam os rituais praticados na Grécia Arcaica, ou seja, consolidando o vínculo social por meio da celebração e culto de figuras heróicas. Ao realizar os jogos os valores que permeavam a sociedade grega eram reafirmados.
A relação entre o esporte e o heroísmo também pode ser notada nos rituais funerários dedicados ao Pátroclo. O épico homérico, a Ilíada, narra que após a morte de Pátroclo, uma cerimônia funerária é dedicada a ele e competições atléticas foram organizadas.
Esses relatos mostram que os Jogos Olímpicos, em sua forma primitiva, não se restringiram a celebrações atléticas, mas a atos sagrados. Esses atos cerimoniais buscavam estabelecer a identidade social, a moral e preservar a memória das figuras heróicas.
O Culto a Zeus

Os Jogos Olímpicos passaram por transformações ao longo do tempo, e uma delas foi o abandono do culto a Pelope e o início das competições em honra ao deus olimpiano, Zeus.
Essa transição se deu devido a mudanças sociais e religiosas na Grécia Arcaica. O início das competições dedicadas ao deus ocorreram no ano 776 a.C., e essa data marca o início dos jogos que conhecemos historicamente.
O foco no culto religioso consolidou a centralidade da figura divina nos Jogos Olímpicos. Podemos notar essa mudança através da construção de monumentos religiosos como o Altis (centro sagrado de Olímpia), o Templo de Zeus e a sua estátua, esculpida por Fídias, e considerada uma das sete Maravilhas do Mundo Antigo.
O deus passou a ser o foco dos jogos, pois representava a justiça e harmonia cósmica. Assim, a divindade era repleta de simbolismos que carregavam aspectos políticos-religiosos e a unidade do povo grego.
Embora o culto ao deus olimpiano tenha ofuscado a imagem e a reverência a Pelope, o culto ao herói nunca foi totalmente substituído ou eliminado. O santuário dedicado ao herói, o Pelopion, continuou sendo mantido e visitado, demonstrando que a tradição heroica ainda ocupava um lugar especial nos jogos.
Essa característica sincrética dos jogos funcionava como uma ferramenta de integração pan-helênica. Já que, era possível incorporar divindades, heróis e outras figuras míticas aos jogos. Assim, ao reunir competidores de várias pólis (cidades-estado), permeava o sentimento de união entre os gregos.
Os Rituais de Fertilidade

Nos dias de hoje, os Jogos Olímpicos estão intrincicamente ligados a eventos atléticos, mas os Jogos Olímpicos da Grécia Antiga também se relacionavam com práticas religiosas e agrárias, estavam presentes em celebrações cíclicas alinhadas com os ritmos naturais e agrícolas.
Os jogos eram realizados a cada quatro anos, durante o verão (seguindo o calendário lunar, geralmente no segundo ou terceiro mês do verão grego), portanto, a data de realização dos jogos coincidia com períodos importantes para a agricultura, como o final da colheita ou a preparação para a próxima estação de cultivo.
Embora pareça coincidência, não era. Os jogos acabavam por se relacionar com os rituais de renovação e fertilidade.
Portanto, cada corrida, salto ou combate não apenas testava os atletas, mas expressava a renovação da comunidade. O espetáculo físico era uma manifestação visível da harmonia entre os deuses e os homens, e pela continuidade da fertilidade e proveito da terra.
Essa conexão entre a religião, agricultura e o esporte tornava os Jogos Olímpicos únicos e o evento era o ápice dessa interação.
Os Jogos Heranos

Embora os Jogos Olímpicos tradicionais fossem restritos aos homens, as mulheres não estavam completamente excluídas do evento. Nos Jogos Heranos, as mulheres encontraram uma maneira de participar dos jogos, e essas competições eram dedicadas exclusivamente às mulheres.
Os Jogos Heranos, eram jogos realizados em homenagem à deusa Hera, esposa de Zeus e guardiã dos laços matrimoniais.
Os jogos femininos eram realizados no estádio de Olímpia, mas em um momento distinto quando ocorriam os jogos masculinos, e com um público também separado. As competições principais consistiam em corridas a pé divididas por faixas etárias, e as corredoras utilizavam uma túnica curta, deixando um ombro coberto.
Essa vestimenta era considerada apropriada para os jogos e era diferente da nudez que estava presente nos jogos masculinos.
As vencedoras dos jogos Heranos recebiam coroas de ramos de oliveira, símbolo de vitória e glória, e também podiam dedicar estátuas ou inscrições em seu nome dentro do santuário, de fato, um reconhecimento raro que as mulheres gregas tinham na sociedade grega.
Além disso, as organizadoras do evento, conhecidas como as dezesseis mulheres de Élida, tinham um importante papel religioso, sendo responsáveis, não somente pelos jogos, mas também pela confecção do peplo (manto) de Hera, que era usado em sua estátua no templo de Olímpia.
Esses jogos femininos não eram apenas eventos paralelos aos jogos masculinos, mas rituais religiosos, que associavam as mulheres aos ciclos da natureza e a fertilidade.
Mesmo que as mulheres não competissem nos jogos tradicionais, a sua presença em eventos como os Jogos Heranos revela que a posição feminina nos jogos é muitos mais complexa do que imaginávamos, ou seja, elas eram limitadas no ambiente social, mas possuíam um papel importante em liturgias específicas.
Dessa forma, os Jogos Heranos ilustram como as mulheres na Grécia Antiga, mesmo que não participando nas grandes celebrações, encontravam maneiras de afirmar a sua presença na sociedade grega.
Os Jogos Olímpicos e a Cultura Mundial

A história dos Jogos Olímpicos na Grécia antiga é rica. Ela se apoia na mitologia, na religião, festividades e como instrumento de identidade cultural. Desde de os jogos funerários dedicados ao herói Pelope até o culto a Zeus como a divindade cultuada nos jogos, os jogos se tornaram uma marca registrada do mundo grego.
Os jogos reforçavam essa identidade e manisfestava valores que permeavam a Grécia antiga, como a excelência (areté), honra e comunhão.
Além disso, os jogos contribuíram para a formação da identidade helênica comum. A cada quatro anos, cidadãos de diferentes cidades-estado, que muitas das vezes estavam em conflito, suspendiam as suas disputas por meio da ekecheiria (trégua sagrada) para se reunir em Olímpia.
Essa característica tornava o evento em uma espécie de “reunião diplomática”, religiosa e cívica, fortalecendo a ideia da unidade cultural, mesmo que politicamente fragmentada.
Essas características permitiram que os jogos sobrevivessem ao efeito do tempo, e, mesmo que tenham sido interrompidos em alguns períodos, como durante o domínio romano e o avanço do Cristianismo, que os considerava rituais pagãos, a sua memória foi preservada em textos antigos e redescoberta no século XIX.
O renascimento dos Jogos Olímpicos modernos, liderado por Pierre de Coubertin em 1896, foi inspirado nos ideais da Grécia Antiga, como: a valorização da educação física, a promoção da paz e a competição como meio do desenvolvimento moral e intelectual.
Ainda hoje, podemos perceber aspectos simbólicos dos Jogos Antigos: a cerimônia da tocha olímpica que é acesa em Olímpia e levada até a sede moderna, remete ao caráter ritualístico do evento original. A coroação dos vencedores, o desfile e a ideia de superação individual e coletiva são heranças dos jogos antigos.
Conclusão
Os Jogos Olímpicos da Grécia Antiga foram rituais complexos que se relacionavam com a mitologia, religião, identidade cultural e práticas agrárias.
Desde a homenagem funerária a Pelope, passando pela consagração de Zeus, até a presença simbólica das mulheres nos Jogos Heranos, cada detalhe expressava uma cosmovisão profundamente conectada à natureza, à coletividade e aos deuses.
As competições, os prêmios, os ciclos lunares e até mesmo a trégua entre cidades-estado mostravam que os Jogos iam muito além do espetáculo atlético, eram momentos de renovação espiritual e afirmação dos valores gregos.
O legado dessa tradição ecoa até os dias de hoje nas Olimpíadas modernas, que continuam a exaltar a superação, a união entre os povos e a celebração da vida.
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Referências
MILLER, Stephen G. Ancient Greek Athletics. New Haven: Yale University Press, 2004. Disponível em: https://yalebooks.yale.edu/book/9780300115291/ancient-greek-athletics/.
YOUNG, David C. A Brief History of the Olympic Games. Malden: Blackwell Publishing, 2004. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/book/10.1002/9780470774823.