Sem dúvida, a Odisseia de Homero é uma das obras mais importantes da literatura ocidental. Ela continua influenciando a cultura hoje. Assim como a Ilíada, o épico é atribuído a Homero e foi escrito por volta do século VIII a.C.
O poema possui 24 cantos e conta a longa jornada de Odisseu (Ulisses) de volta à Ítaca, após a Guerra de Troia. A obra explora temas como astúcia, resiliência e destino humano.
Neste artigo, vamos explorar os principais eventos da obra. Também falaremos sobre o período em que foi escrita. Vamos discutir o papel das mulheres na Odisseia. Além disso, veremos as implicações filosóficas e a influência da obra. Junte-se a nós e continue lendo.
Índice
Principais Momentos da Odisseia

Antes de analisar os principais eventos da obra, é importante entender que a narrativa da Odisseia não é linear. Ao longo do poema, vemos mudanças de perspectiva e o uso de flashbacks. Dentre os momentos mais importantes, podemos destacar:
A Busca de Telêmaco (Cantos 1-4)
A obra começa em Ítaca, onde Telêmaco, filho de Odisseu, enfrenta os pretendentes que cortejam sua mãe enquanto consomem as riquezas do palácio. A deusa Atena, disfarçada de Mentor, encoraja o jovem a buscar notícias sobre seu pai, Odisseu.
Telêmaco inicia sua jornada e viaja para Pilos e Esparta. Lá, recebe a informação de Nestor e Menelau que contam ao rapaz que Odisseu ainda está vivo.
Odisseu na ilha de Calipso (Cantos 5-8)
Enquanto Telêmaco busca por Odisseu, os deuses se reúnem no Olimpo. Zeus, convencido por Atena, ordena que Calipso liberte Odisseu. A ninfa, triste, o deixa partir, oferecendo ao herói uma jangada e provisões.
Enquanto navega, Poseidon, ainda furioso com Odisseu, provoca uma tempestade, mas o herói é salvo pela deusa marinha Leucótea e chega à terra dos feácios. Lá, é ajudado por Nausícaa, filha do rei Alcínoo.
Odisseu Relata as suas Aventuras(Cantos 9-12)
Na terra dos feácios, Odisseu conta sobre sua jornada após a guerra:
- Os Cícones e os Comedores de Lótus – Após saquear a cidade dos Cícones, Odisseu perde muitos homens. Mais tarde, sua tripulação quase fica presa entre os comedores de lótus, cujo os frutos causam amnésia.
- Polifemo, o ciclope – Odisseu e seus homens ficam presos na caverna do ciclope Polifemo. O herói engana o ciclope, deixando-o bêbado e cego. Eles escapam se escondendo sob os carneiros do ciclope. Mas, ao revelar seu nome, Odisseu provoca a ira de Poseidon.
- Os ventos de Éolo – O rei Éolo dá a Odisseu um saco com todos os ventos, exceto o que o levaria a Ítaca. Porém, seus marinheiros, pensando que é um tesouro, abrem o saco fazendo eles voltarem ao ponto de partida da jornada.
- Os lestrigões – O herói e a sua tripulação encontram gigantes canibais que destroem quase toda a tripulação.
- Circe, a feiticeira – A feiticeira em um conflito transforma os homens de Odisseu em porcos. Mas, com a ajuda do deus Hermes, Odisseu resiste à magia e convence Circe a ajudá-lo.
- A descida ao mundo dos mortos (Nekyia) – Odisseu consulta Tirésias, que o avisa sobre perigos futuros. Após viajar ao submundo, o herói encontra os espíritos de Agamêmnon, Aquiles e sua mãe, Anticleia.
- As sereias, Cila e Caribde – Para passar pelas sereias, Odisseu usa a sua inteligência e coloca cera nos ouvidos dos marinheiros. Enquanto amarra a si mesmo ao mastro do navio para resistir ao canto das sereias. Depois de resistir as sereias, o herói e a sua tripulação encontram Cila, uma criatura marinha, e ele perde muitos homens.
A Chegada de Odisseu a Ítaca (Cantos 13-24)
- O naufrágio – Os marinheiros de Odisseu matam os bois sagrados de Hélio. Em consequência, Zeus envia uma tempestade como castigo. Odisseu sobrevive e chega à ilha de Calipso, onde passa anos até ser libertado.
- O disfarce de Odisseu – Para não ser reconhecido, o herói recebe ajuda da deusa Atena e encontra Eumeu, o servo fiel, e revela sua identidade a Telêmaco.
- A vingança contra os pretendentes – Penélope propõe um desafio aos seus pretendentes e nenhum deles consegue completá-lo. Odisseu, ainda disfarçado, vence a prova, revela sua identidade e, com a ajuda de Telêmaco e Eumeu, mata todos os pretendentes.
- O reconhecimento por Penélope – Desacreditada, Penélope o testa perguntando sobre ao herói segredos da intimidade do casal. Ao perceber que só Odisseu poderia saber disso, ela o reconhece.
- A pacificação da ilha – As famílias dos pretendentes ameaçam vingança, mas Zeus e Atena restauram a paz.
Período Histórico do Épico Homérico

O épico de Homero não fala de um período histórico específico, mas ele mistura elementos da Idade do Bronze e a Idade do Ferro. Alguns desses elementos são:
- A sociedade é aristocrática e guerreira, com líderes tribais e reis locais dominando pequenas comunidades.
- A política se baseia na autoridade de chefes e na lealdade pessoal, sem um Estado centralizado.
- A economia é primitiva, focada na propriedade de terras e rebanhos, sem um sistema financeiro avançado.
- Os valores incluem a honra (timé), a hospitalidade (xenia), a vingança e a lealdade.
A obra foi composta e influenciada pela tradição oral de poesia, passada por gerações antes de ser escrita. A estrutura repetitiva e as fórmulas fixas são vestígios dessa tradição.
Não há registros que confirmem os eventos da obra. No entanto, a arqueologia sugere que alguns eventos e elementos culturais inspiraram a epopeia. Por exemplo, podemos considerar as fortificações micênicas e a queda dos palácios.
Podemos entender que o mundo de Odisseu se passa na transição entre o período micênico e a Idade das Trevas gregas. O período micênico ocorreu cerca de 1200 a.C. e a Idade das Trevas ocorreu por volta de 1100 à 800 a.C.
A Odisseia e a Idade das Trevas
A Idade das Trevas, de 1100 a 750 a.C., foi marcada pela queda da civilização micênica e uma lenta recuperação econômica e cultural. Entre os elementos mais marcantes desse período podemos destacar:
- A descentralização política e o desaparecimento dos grandes palácios.
- O declínio da escrita Linear B.
- A redução do comércio e a transição do bronze para o ferro.
A Odisseia reflete um mundo de pequenos líderes locais, traço típico da Idade das Trevas, e não o sistema centralizado dos micênicos.
As descrições de cidades na obra se parecem mais com os assentamentos da Idade do Ferro do que com os palácios micênicos.
Assim como, o uso do ferro na obra de Homero confirma a transição tecnológica desse período.
Na Odisseia, vemos elementos do passado micênico. No entanto, ela mostra mais as mudanças da Grécia na Idade das Trevas. Esse foi um tempo em que as histórias eram contadas de forma oral.
A Influência da Epopeia na Cultura

O épico influenciou muitos aspectos da cultura ocidental. É possível encontrar seus vestígios em diferentes períodos históricos e áreas do conhecimento. Ele está presente na literatura, na educação e na formação do pensamento filosófico.
Literatura e na Arte
A jornada de Odisseu inspirou muitas histórias de aventura. Ela mudou a forma como os romances e contos de aventura foram e são escritos. Autores como James Joyce reimaginaram a obra em “Ulisses”, e Tennyson fez o mesmo em “Ulysses”.
Além disso, a obra influenciou tragédias e comédias gregas, sendo referência para autores como Sófocles e Eurípedes.
Na arte, a epopeia foi amplamente representada desde a antiguidade clássica até os dias de hoje. Vestígios arqueológicos, como vasos gregos, representam eventos da jornada de Odisseu, como seu encontro com Polifemo e sua visita ao Hades.
Assim como, artistas, como Johann Heinrich Füssli, Claude Lorrain e William Turner, produziram obras inspiradas diretamente na epopeia de Homero.
Reflexões Sociais
A Odisseia também ajudou a formar a visão ocidental sobre a sociedade. A obra retrata desafios enfrentados por um indivíduo em um contexto social, destacando as tensões entre obrigações familiares e desejos pessoais.
A obra também trás reflexões sobre a imortalidade. Odisseu recusa a proposta de Calipso de viver uma eternidade de prazer em sua ilha. Isso demonstra como a morte é vista na cultura grega. Enquanto o herói da Ilíada, Aquiles, busca a glória pela morte heroica, Odisseu escolhe a mortalidade e o retorno ao lar.
A Psicanálise também oferece leituras valiosas sobre a Odisseia. O pai da psicanálise, Sigmund Freud, dizia que a viagem de Odisseu representa padrões comuns da psique humana. Um desses padrões é o desejo de voltar para casa e outro é como enfrentamos o desconhecido.
Odisseia na Educação
Na Grécia Antiga, a Odisseia desenvolveu valores que eram essenciais na formação do indivíduo (paideia). Os versos de Homero eram memorizados e recitados, garantindo a transmissão de valores como coragem, lealdade e hospitalidade.
Esse sistema perdurou e influenciou pensadores como Platão e Aristóteles, que viam valor na poesia homérica para a formação do cidadão grego.
A influência da Odisseia no comportamento coletivo é visível em sua constante revisitação ao longo dos séculos. A obra continua a ser referência em estudos acadêmicos e é usada para entender a mentalidade e os valores da Antiguidade Clássica.
O Papel das Mulheres

Embora a epopeia se concentre na jornada de Odisseu, a obra também explora personagens femininas. Ela mostra o papel das mulheres na Grécia Antiga.
Ao longo do poema, vemos que as figuras femininas têm papeis importantes na história e na construção do herói. E apresenta as mulheres com diferentes papeis e funções sociais.
- Penélope, esposa de Odisseu, simboliza a fidelidade e a paciência. Ela representa o ideal feminino da época.
- Calipso e Circe mostram aspectos complexos da feminilidade. Calipso oferece a Odisseu a imortalidade, mas sua ilha se assemelha a uma prisão. Isso sugere que a mulher pode ser sedutora e ter um poder que pode ser bom ou ruim.
- Circe usa seus poderes para controlar os homens, mas também ajuda Odisseu. Ambas desafiam o ideal tradicional de passividade feminina. Elas mostram que as mulheres podem ser independentes e influentes, possuindo um papel ativo na narrativa.
- Atena, deusa da sabedoria, é central na jornada do herói. Ela é sua guia e protetora. Sua ajuda mostra que sabedoria e estratégia eram qualidades valorizadas em heróis, incluindo figuras femininas.
A Odisseia dá pistas sobre a posição das mulheres na Grécia Antiga. A obra reflete a divisão de gênero da época. Das mulheres era esperado serem fiéis, submissas e confinadas ao lar.
No entanto, Homero também mostra mulheres que têm poder e influenciam na história. Isso sugere uma visão mais complexa do papel feminino na mitologia e na sociedade.
Essa ambivalência mostra duas coisas. Primeiro, a obra reafirma os valores tradicionais. Segundo, ela também serve para refletir sobre o papel das mulheres na cultura grega antiga.
Provocações Filosóficas

A Odisseia possui um grande valor filosófico. A obra por vezes é vista como sendo mais do que uma aventura, mas um reflexo da condição humana. Sendo uma uma fonte rica para pensar sobre identidade, moralidade, destino, livre-arbítrio e a busca por autoconhecimento.
Ela também questiona a relação entre homem e divindade, a natureza da virtude e o papel da experiência na sabedoria.
A Jornada de Odisseu
A jornada de Odisseu pode ser vista como uma metáfora da busca por conhecimento e sabedoria. Durante o seu caminho, o herói enfrenta diversos desafios que testam sua inteligência e astúcia, exigindo do personagem muito mais do que força.
A trajetória do herói influenciou a filosofia grega, e está presentes nos ensinamentos de filósofos, como Sócrates e Platão. Ambos falavam sobre a importância da experiência e da reflexão para alcançar o verdadeiro conhecimento.
Para Platão o conhecimento verdadeiro vem da dialética e da contemplação das ideias eternas. Isso pode ser comparado ao crescimento de Odisseu ao longo da história.
O conceito de “autoconhecimento” também está presente na trajetória de Odisseu. O herói aprende sobre si mesmo a medida que volta para Ítaca. A ideia de retorno (nostos) pode ser vista como um processo de amadurecimento do herói. Ele ganha sabedoria ao ser provado pelos desafios que enfrenta.
Na medida que Odisseu deixa de lado a arrogância e reconhece suas limitações, ele avança em sua jornada. Esse processo, presente em toda a obra, se relaciona com a máxima socrática “conhece-te a ti mesmo”.
Moralidade e Virtude
A obra também explora questões morais, especialmente entre destino e responsabilidade pessoal. Odisseu, mesmo sob a influência dos deuses, deve tomar decisões que vão impactar na sua jornada e caráter.
Esse dilema entre destino e livre-arbítrio foi debatido por filósofos estoicos e aristotélicos. Esses filósofos viam na virtude algo essencial para uma vida plena.
Aristóteles argumentava que a virtude deve ser cultivada por meio de hábitos e decisões racionais. No épico, percebemos que a paciência e a sabedoria de Odisseu contrastam com a imprudência de seus companheiros. Essa característica demonstra que a virtude está ligada à sobrevivência e sucesso.
O estoicismo também se relaciona com a obra ao enfatizar a resiliência e a aceitação do destino, sem perder o controle sobre as próprias ações.
Destino e o Livre Arbítrio
O papel do destino na Odisseia é outro ponto marcante. Embora os deuses influenciam os eventos, as escolhas de Odisseu são importantes em sua jornada.
Essa questão foi abordada por filósofos como Aristóteles. Ele acreditava que a ação humana é influenciada por fatores externos, mas também depende da consciência e ação do homem. O épico é um exemplo da tensão entre determinismo e autonomia humana.
Além disso, a relação entre deuses e mortais levanta questões sobre o poder divino e a intervenção das divindades no destino humano.
O conceito de moira (destino) na tradição grega indica que certos eventos são inevitáveis. No entanto, o comportamento humano pode influenciar como esses eventos acontecem. Odisseu, com sua inteligência e persistência, demonstra que ação humana também influência na própria história.
A Ética e os Valores
A hospitalidade (xenia) é outro um tema explorado na obra. Ela trás luz a questões sobre a ética nas relações. O respeito pelas regras da hospitalidade define os personagens como virtuosos ou viciosos.
A hospitalidade de Nausicaá e dos feácios é diferente da traição dos pretendentes de Penélope. Isso mostra como o respeito e a reciprocidade são importantes nas relações.
A obra apresenta que a ética da hospitalidade não é apenas uma convenção social, mas um princípio moral fundamental para a convivência. Amplamente discutida na filosofia de Aristóteles, o filósofo traduz a amizade (philia) e as relações pessoais como essenciais para uma vida virtuosa.
A Odisseia de Homero é muito mais do que um poema que conta a jornada de um herói, mas a epopeia reflete as transformações sociais, culturais e filosóficas da Grécia Antiga. Sua narrativa é rica e apresenta personagens complexos e aborda temas universais que garantiram a sua relevância até hoje.
Seja na literatura, na arte ou na filosofia, a influência da Odisseia é inegável e continua a inspirar novas interpretações e adaptações.
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Leitura Recomendada
Odisseia
Homero, Penguin-Companhia (2011)
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Referências
HOMERO. Odisseia. Tradução de Christian Werner. São Paulo: Penguin & Companhia das Letras, 2014.
FINLEY, M. I. The World of Odysseus. New York: New York Review Books, 1979. Disponível em: https://archive.org/details/worldofodysseus00finl. Acesso em: 11 fev. 2025.
SNODGRASS, Anthony M. The Dark Age of Greece: an archaeological survey of the eleventh to the eighth centuries BC. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1971. Disponível em: https://archive.org/details/darkageofgreecea00snod_0. Acesso em: 11 fev. 2025.
BITTENCOURT, Rodrigo do Prado. Cultura, sociedade e morte em “A Odisseia”. Revista Prâksis, Novo Hamburgo, v. 1, p. 73-80, jan./jun. 2011. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/5255/525552624010.pdf. Acesso em: 12 fev. 2025.
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